Era o dia 12 de agosto. Visitei duas famílias Resende em São Cipriano, conhecida “aldeia da música” no antigo município de Resende que está ligado às origens da nação portuguesa. Para isso, contei com a ajuda do presidente da Junta de Freguesia, Aires Ferreira. Pode parecer estranho, mas não é comum encontrar membros da família Resende naquele que é considerado o berço dos Resendes.
Cheguei por volta da hora do almoço a S. Cipriano, freguesia situada no meio da encosta da Serra de São Cristóvão. Joaquim Alves, o presidente da Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Resende, deixou-me à porta da Dom Pedro Padaria e Pastelaria, de propriedade de um Resende, o Luís Pedro. Aires Ferreira já me aguardava no local, que estava cheio de imigrantes portugueses. Como ele é taxista, foi atender seus clientes e deixou-me a esperar pelo almoço (em Portugal, é normal pastelaria servir refeições).
A freguesia estava em clima de festa, pois ia começar a 7ª Semana Cultural (artesanato, jogos tradicionais, caminhadas, apresentações musicais, gastronomia etc.), oportunidade de congraçamento dos moradores permanentes com seus parentes, emigrados para outros países (maioria europeus) e que se encontravam em férias. A população de S. Cipriano, estimada em 700 almas, multiplica-se por algumas dezenas com a presença dos imigrantes no verão.
Dona Anunciação, mais conhecida por São, a mãe do proprietário da pastelaria Dom Pedro, serviu-me uma deliciosa alheira (embutido ou enchido típico da culinária portuguesa criado por cristãos-novos para driblar a Inquisição religiosa já que o judaísmo proíbe carne de porco) com batatas cozidas e salada, acompanhados de vinho tinto da região do Douro.
Terminada a refeição, o cafezinho foi na companhia de Providência de Jesus Pinto Resende, que é mãe da São e também de Armanda, Fernanda, Joaquim Miguel, José Adão e Patrício. Nascida na própria aldeia em plena 2ª Guerra Mundial (14/04/1943), dona Providência é filha de Patrício Pinto Resende (Júnior) e de Maria de Jesus, ambos de 1906. O Patrício, pai de dona Providência, é um dos quatro filhos de Patrício Pinto Resende: os outros são Marcelino, Príncipe e José Pinto Resende.
Dona Providência não sabe dizer se o seu avô Patrício esteve no Brasil, sabe apenas que os primos dele emigraram para o outro lado do Oceano Atlântico. Já o avô materno de dona Providência, Manoel Ferreira, que tocava pratos na banda musical “A Nova” (fundada em 1881), este sim emigrou para Barretos, no interior de São Paulo, em companhia de alguns primos.
Maria de Jesus, a mãe de dona Previdência, gostava de contar que, antes, havia apenas a Banda de Música de São Cipriano, mas o maestro mudou-se para o Brasil e quando retornou à aldeia, muitos anos depois, tentou retomar a batuta. Como não teve sucesso, em 1881 fundou a banda musical “A Nova”, levando consigo parte dos integrantes da banda mais antiga que a partir daí ficou conhecida com o nome de “A Velha”.
Dona Previdência é de uma família de sete irmãos: além dela, Olinda, Anunciação, Maria Samarina, Maria Carminda e os músicos Duarte e Nelson, estes dois integrantes da banda “A Nova”. Seguindo a tradição da família, dos 47 netos do casal Patrício Júnior e Maria de Jesus, 19 são músicos da banda “A Nova”.
Almocreve
Sobe morro, desce morro por ruas estreitas, passa-se em frente à igreja de S. Cipriano – construção em estilo barroco do século XVIII, que substituiu outra muito mais antiga, medieval, segundo o padre e historiador Joaquim Correia Duarte – e se caminham aproximadamente 3 km até chegar à casa de Idalina Conceição Pinto Resende.
Nascida em 07/02/1944, dona Idalina é filha do casal Antônio Pinto Resende Júnior (de 1900) e de Francisca Augusta. Os pais de dona Idalina e de dona Providência são primos em primeiro grau.
Antônio Pinto Resende Júnior exercia a antiga profissão de almocreve, segundo contou dona Idalina. Comerciante de cereais, seu pai circulava pelas ruas da aldeia de S. Cipriano puxando suas duas mulas de carga.
O avô de dona Idalina, Antônio Pinto Resende, teve vários irmãos: Mateus, Aires, José Luís, Silvina, Raul, Maria Augusta e um último que se emigrou para o Brasil de quem ela não tem informações. Ainda jovens, também Mateus, Aires e Silvina atravessaram o Atlântico, estabelecendo-se no interior do Estado de São Paulo.
Dona Idalina tem três irmãos: Maria Augusta Resende, Fernando Pinto Resende e José Pinto Resende. Sua família tradicionalmente é ligada à banda musical “A Velha”, a começar pelo seu irmão José Pinto Resende que tocava trompa. Houve um período em que os três filhos de José Pinto Resende chegaram a tocar na banda “A Nova”, influenciados pelo avô materno e maestro Antônio Bernardo. Mas acabaram voltando às origens quando o avô deixou o cargo de maestro.
Também os três filhos de Idalina tocaram na banda “A Velha”: Alberto, saxofone-baixo; Maria Olinda, saxofone-soprano e Helena, clarineta. A neta Margarida, filha de Maria Olinda, iniciou o aprendizado na banda “A Velha” e atualmente pratica música na Suíça onde mora com os pais. Até hoje, Margarida mantém a farda (uniforme) consigo e, durante as férias de verão, participa das apresentações da banda.